Ministério da Saúde trabalha com projeção de 4,2 milhões de diagnósticos neste ano, mais que o dobro do número de 2015, quando o país teve o recorde de infectados
O Brasil deve registrar 149% mais casos de dengue em 2024 do que o contabilizado no pior ano da série histórica. Segundo projeções do Ministério da Saúde, que já haviam sido mencionadas anteriormente e foram reforçadas na última sexta-feira, são esperados 4,2 milhões de infectados neste ano.
— A estimativa do Ministério da Saúde é que a gente chegue a 4,2 milhões de casos. Nós nunca chegamos a esse número. Por isso, a preocupação e também pela pressão que isso pode acontecer no serviço de saúde — disse a secretária de Vigilância em Saúde da pasta, Ethel Maciel, em entrevista coletiva.
Caso o cenário se concretize, o número não apenas vai tornar 2024 o ano com mais diagnósticos da doença, como também vai representar um salto significativo, de 2,5 vezes, em relação ao atual recorde – 2015, com 1.658.816 de casos, segundo dados do Ministério.
Por que os casos de dengue estão aumentando?
Especialistas, assim como Maciel, atribuem o crescimento a um conjunto de fatores, como a introdução de novas versões do vírus no país e o impacto das mudanças climáticas. Além disso, destacam o arrefecimento de medidas de combate ao mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti.
— Esse ano tem uma questão que são os sorotipos circulando ao mesmo tempo, temos maior circulação do 3 e do 4, por exemplo. Isso pega uma população muito desprotegida, porque você tem a entrada de novos sorotipos entre pessoas que estavam há muito tempo sem ter contato com a doença — diz Mauro Teixeira, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Dengue.
O coordenador do comitê de Arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e consultor de arbovírus da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Kleber Luz, explica que o sorotipo 3, por exemplo, não causava epidemias há 15 anos.
— Começamos a ter a cocirculação desses 4 sorotipos da dengue, algo que tecnicamente nunca aconteceu. Isso é uma péssima notícia. Significa que as pessoas podem adoecer mais de uma vez, porque um sorotipo não gera proteção para o outro — explica ele, que também é professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
O especialista destaca ainda o papel das mudanças climáticas na dispersão do mosquito e na maior incidência da doença. De acordo com o Painel de Monitoramento das Arboviroses, mantido pelo Ministério da Saúde, Paraná e Santa Catarina, estados que não sofriam tanto com a doença no passado graças às temperaturas mais amenas, hoje estão entre os 10 com maior incidência de dengue.
— Embora muitos não acreditem, o planeta está ficando mais quente. E a cada grau que sobe, eleva a proliferação e o tempo de vida do mosquito. O que aumenta a sua reprodução e a atividade biológica. Logo, são mais mosquitos, em mais locais e picando mais. Além disso, muitas medidas de controle foram arrefecidas. Alguns municípios abandonaram o controle, você não vê mais a visita casa à casa. Então é o cenário perfeito, muita gente suscetível, a maior atividade do mosquito e a falta de medidas de controle — resume.
Teixeira, no entanto, pondera que a dengue é uma doença cíclica, ou seja, costuma provocar epidemias de períodos em períodos. Por isso, diz que o maior número de casos neste ano não é algo inesperado e não vê o cenário ainda com tanto alarme. No ano que vem, afirma, a tendência é que vai melhorar.
— Temos epidemias que ocorrem a cada 3, 4 anos, a Covid-19 mexeu um pouco nessa dinâmica. Mas essas epidemias de dengue são cíclicas. No momento estamos vendo aumentos como em 2016, 2019. E o Brasil é enorme, não estamos tendo epidemias em todos os lugares. Essa alta nos números nacionais é porque tem uma circulação mais extensa no Sudeste. Ano que vem vamos ter uma melhora, com certeza, que não vai ser atrelada à vacina ainda, mas sim ao curso da doença — aponta.
Em sua fala na última sexta-feira, porém, Maciel afirmou que um diferencial de 2024 em relação aos outros que também tiveram epidemias é que “estamos vendo uma antecipação dos casos que nós ainda não tínhamos visto” (naqueles anos). “Em geral, há um crescimento de casos no final de março e começo de abril. Nós começamos a ver o crescimento dos casos já em janeiro”, disse.
Impacto da vacinação
A secretária falou sobre o cenário da doença no dia que marcou o início da campanha de vacinação no Sistema Único de Saúde (SUS), ao menos no Distrito Federal, onde a primeira remessa de doses chegou ainda na quinta-feira. A proteção será destinada em âmbito nacional a jovens de 10 a 14 anos de 521 cidades selecionadas pelo Ministério por terem maior carga da doença.
A delimitação foi feita devido ao quantitativo limitado de doses para 2024 pela capacidade produtiva da farmacêutica, a japonesa Takeda – serão 6,6 milhões de vacinas, suficientes para imunizar 3,3 milhões de brasileiros. Nesse primeiro momento, os primeiros lotes foram enviados para 315 das 521 cidades escolhidas, mas todas devem receber doses até a primeira quinzena de março.
A orientação do Ministério é que a aplicação comece com aqueles de 10 e 11 anos e progrida, durante o ano, conforme o laboratório envie novas unidades ao Brasil. Porém, ainda que o início da vacinação seja um alento em meio à alta da doença, os especialistas explicam que o efeito na epidemiologia da dengue, ou seja, na redução dos indicadores de casos e mortes, ainda deve demorar para ser percebido.
— Ela é em duas doses, então quem tomar a primeira agora só vai receber a segunda em maio, então já não vai estar protegido nessa epidemia. E o número de vacinas agora é ínfimo, alcança menos de 10% da população. O efeito protetor é individual, para aquela pessoa, mas a nível populacional é próximo a zero. Vai demorar anos para falarmos em imunidade coletiva — diz Luz.
Com informações do Jornal O Globo