Cida Gonçalves e Silvio Almeida afirmaram que a proposta revitimiza meninas e mulheres vítimas de estupro. Na quarta, a Câmara aprovou a urgência para o projeto
O ministro Silvio Almeida, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, e a ministra Cida Gonçalves, do Ministério das Mulheres, se manifestaram contra o projeto de lei que igual o aborto ao crime de homicídio. Os ministros afirmaram que a proposta revitimiza meninas e mulheres que sofreram estupro. Na quarta-feira (12/6), a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para o projeto, o que significa que o texto irá direto para o Plenário.
“Um ponto estarrecedor sobre o PL é que o texto altera o Código Penal e estabelece de 6 a 20 anos de prisão contra a mulher que interromper uma gestação com mais de 22 semanas. Hoje, a pena para o estuprador é de 6 a 10 anos de prisão, ampliada para 12 anos caso o crime envolva violência grave. Portanto, a mulher que optar pelo aborto legal em caso de estupro poderá passar na prisão até o dobro de tempo de seu estuprador”, criticou Cida Gonçalves, na quinta-feira (13/6).
O ministro Silvio Almeida classificou o projeto como uma “imoralidade” e “inversão dos valores civilizatórios. Para o titular da pasta dos Direitos Humanos e Cidadania, a proposta fere o princípio da dignidade da pessoa humana e submete as mulheres violentadas a uma “indignidade inaceitável”.
“Esse projeto empurra a sociedade brasileira para um abismo de violência, de indiferença, de violação institucional do direitos humanos de meninas e mulheres. Coloca em descrédito ainda maior as instituições do Estado. Que mulher vítima de violência sexual irá buscar apoio do Estado sabendo que pode ser mais penalizada do que quem a violentou? Que mulher irá confiar no sistema de justiça brasileiro quando for estuprada? Este PL acelera a falência moral e jurídica do Estado”, destacou Silvio.
“Trata-se da materialização jurídica do ódio que parte da sociedade sente em relação às mulheres; é uma lei que promove o ódio contra mulheres. Como pai, como filho, como cidadão, como jurista, como Ministro de Estado eu não posso jamais me conformar com uma proposta nefasta, violenta e que agride as mulheres e beneficia estupradores”, emendou o ministro.
“PL da gravidez infantil”
O Projeto de Lei 1904/24 está sendo chamado de “PL do estupro” e “PL da gravidez infantil” por causa dos possíveis impactos negativos às meninas e mulheres brasileiras. A ministra das Mulheres citou o fato de que, em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil. Para ela, a proposta que tramita na Câmara agrava ainda mais o cenário de gravidez precoce, pois seis em cada vez vítimas de violência sexual são crianças de até 13 anos.
“O Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítima de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde física e psicológica. Ou seja, perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade, como o abandono escolar”, pontuou Cida Gonçalves.
“Não podemos revitimizar mais uma vez meninas e mulheres vítimas de um dos crimes mais cruéis contra as mulehres, que é o estupro, impondo ainda mais barreiras ao acesso ao aborto legal, como propõe o PL 1.904/2024. Criança não é para ser mãe, é para ter infância, é para ser criança, estar na escola”, acrescentou a ministra.
Entidades repudiam proposta
O projeto que equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao homicídio também gerou reações de entidades. A Associação de Advogadas e Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC) compartilhou uma nota em que diz que a proposta é uma afronta à dignidade humana prevista na Constituição de 1988 e a todos os tratados e documentos internacionais que versam sobre os direitos humanos de mulheres e meninas.
“Nós, da Associação de Advogadas e Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), cientes de que não há democracia sem o respeito, a garantia e a efetividade dos direitos das mulheres e meninas, também nos somamos ao coro de organizações sociais que, em alto e bom som, dizem ao Congresso Nacional: Criança não é mãe”, afirma a organização.
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) também endossou a mobilização contrária ao projeto e pediu que os parlamentares e os diferentes setores da sociedade civil se mobilizem pela interrupção imediata daquilo que define como uma “escalada obscurantista”.
“Causa perplexidade ver a pressa com que esta casa parlamentar pretende tratar um tema complexo, que toca direitos já estabelecidos, abrindo caminho para a criminalização das mulheres que recorrem ao aborto legal – as gestantes com risco de vida, as vítimas de estupro e as gestantes de fetos anencefálicos”, diz a Comissão Arns.
“É uma infâmia contra as mulheres brasileiras, sobretudo com as adolescentes, que constituem parcela significativa dos casos de estupro no país. Fora isso, esta lei alcançará, como um alvo preciso, mulheres e meninas pobres, majoritariamente negras e moradoras das periferias, sempre carentes de acesso aos meios adequados para a interrupção da gravidez. É impossível tolerar tamanha injustiça”, prosseguiu a entidade.
Cominformações do Correio Braziliense