Divergências entre Congresso e Supremo e declarações de autoridades levaram a discussão ao debate público
O acirramento das divergências entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) nas últimas semanas colocou no debate público e nas vozes de autoridades uma discussão adormecida desde 2019: a imposição de um mandato fixo para os ministros da Suprema Corte.
Qual é a proposta?
Novos ministros do STF teriam mandatos fixos de oito anos, sem direito a recondução, segundo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16/2019, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Ela foi apresentada há quatro anos.
Na ocasião, teve parecer pela aprovação do então relator, o ex-senador Antônio Anastasia (PSD-MG). Com sua saída para o Tribunal de Contas da União (TCU), o parecer perdeu a vigência e ela foi devolvida para indicação de novo relator. Desde então, a tramitação não havia avançado.
Valério disse à CNN que, neste momento, ela “está repercutindo entre os senadores”. Nessa pauta, diz o tucano, seu projeto é o único a tramitar na Casa e “é o que será levado em consideração”.
O texto não muda a composição do STF, que permanece com o mesmo número de magistrados — onze –, bem como a prerrogativa de escolha do presidente da República e de aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.
Qual é a regra atual?
Atualmente, o mandato de um ministro do STF se encerra quando o magistrado completa 75 anos, sendo aposentado compulsoriamente. A proposta, se vingar, não afetaria os atuais ministros da Corte, que continuariam tendo seus mandatos sem o limite de oito anos.
Quais são os argumentos do autor da proposta?
O senador cita Alemanha, França, Itália, Portugal e Espanha como exemplos de países em que a Suprema Corte tem “mandato fixo e temporário”, e considera haver necessidade de “aperfeiçoar o modelo atual, inspirado no norte-americano”. Nos Estados Unidos, o posto tem ocupação vitalícia.
De acordo com a PEC, a renovação da estrutura evitaria prazos muito distintos de atuação dos ministros, que varia conforme a idade em que chegam ao cargo, e modificações constantes de entendimentos jurídicos já consolidados.
Por que o tema ganhou força?
A pauta ganhou repercussão após decisões antagônicas do tribunal e do Senado quanto ao marco temporal para demarcação de terras indígenas, além da adoção de caminhos distintos em outras pautas.
Na quarta-feira (4), no mais recente episódio da tensão, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado levou poucos segundos para aprovar uma PEC que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores.
O que dizem as autoridades?
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado: “Acho que seria bom para o poder Judiciário, para a Suprema Corte do nosso país, seria bom para a sociedade brasileira termos uma limitação do mandato de ministro do Supremo”.
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara: “O equilíbrio entre os Poderes é a melhor maneira de você viver em harmonia, que é o que se prega, independência com harmonia. Eu posso falar só pela Câmara, eu não posso falar pelos outros Poderes. Eu posso afirmar que ela sempre se conteve dentro dos seus limites constitucionais e assim permanecerá”.
Luís Roberto Barroso, presidente do STF: “Vejo com simpatia a disposição em discutir o tema, mas não vejo muita razão para uma alteração”.
Gilmar Mendes, ministro do STF: “É comovente ver o esforço retórico feito para justificar a empreitada: sonham com as Cortes Constitucionais da Europa (contexto parlamentarista), entretanto o mais provável é que acordem com mais uma agência reguladora desvirtuada. Talvez seja esse o objetivo”.
Alexandre Padilha, ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência: “Limite de mandato não está no centro da agenda do governo”.
Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado: “O Supremo esticou demais a corda, e a tese cresceu muito entre os senadores e senadoras”.
Beto Simonetti, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): “É muito oportuna a proposta do senador Rodrigo Pacheco. A adoção de mandatos fixos para ministros do Supremo Tribunal Federal promoverá a oxigenação do Tribunal, a partir da alternância regular dos magistrados.
O que dizem os especialistas
O professor de Direito Constitucional Rubens Glezer, coordenador do “Supremo em Pauta”, centro da Fundação Getulio Vargas (FGV), pondera que as ideias de alteração do Supremo são “recorrentes” e, normalmente, não avançam: “Elas permitem que o autor fature politicamente ao confrontar o STF, ainda que não sejam levadas adiante”.
Os indícios do Legislativo, como a PEC aprovada na CCJ na quarta, podem demonstrar repercussões mais sérias. “Me parece que, neste momento, há um movimento mais amplo para evidenciar a insatisfação do Congresso”, diz.
Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a discussão dos mandatos é séria e “defendida por pessoas importantes do Direito”, mas as circunstâncias da proposta são complicadas: “Ela deve ser feita de forma serena, com a ponderação de todos os argumentos, e não como uma retaliação”.
O especialista considera, contudo, que a eventual mudança não fere a prerrogativa de independência do Judiciário, a exemplo dos casos pelo mundo.
“Não vejo nenhuma afetação da independência dos futuros ministros. Eles continuam inamovíveis, independentes e autônomos, e a fixação em oito anos resguarda essa imparcialidade”, afirma.
Rubens Glezer conclui que há espaço para pensar no aperfeiçoamento do STF, mas “neste momento, a proposta demonstra a disposição do Congresso em usar seu poder para interferir na estrutura da Corte e derrubar suas decisões. É mais isso do que uma discussão republicana”.
Crédito CNN BRASIL